quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Marcel Proust e a busca do tempo perdido

O meu fascínio por Marcel Proust começou tão logo “engrenei” na leitura de No caminho de Swann (Primeiro dos sete volumes da obra Em busca do tempo perdido). Para isso, tive de vencer as vinte primeiras páginas do livro, onde ele faz as conhecidas deambulações em torno da cama e de seu sofrimento infantil em se entregar ao sono, enquanto a família (a mãe, principalmente) ‘faziam o social’, no salão embaixo.
Mas, já ali, eu fui intuindo que aquelas divagações não podiam ser gratuitas. E um tantinho mais adiante, confirmei que as incursões do autor pelos escaninhos da mente e da alma humana (realizadas ao longo de toda a obra) constituiriam a coluna dorsal dela.

E linha após linha, eu ia desvendando a rica personalidade de Proust, revelada em sua erudição, sua complexidade, sua capacidade de perceber os processos psicológicos das pessoas à volta, e, sobretudo, sua habilidade em apreender o sentido das coisas da vida, e traduzi-lo em palavras. A conseqüência disso foi experimentar o que se convencionou chamar de ‘a magia da literatura’, que o que se dá, quando nos defrontamos com reflexões e pensamentos que expressam as nossas próprias opiniões, as quais jamais saberíamos expor com tanta maestria. Mas nem disso podemos nos envaidecer pois, páginas à frente, o próprio escritor o diz:

"Na realidade, todo leitor, quando lê, é o leitor de si mesmo. A obra do escritor não passa de uma espécie de instrumento óptico que ele oferece ao leitor a fim de permitir que este distinga aquilo que, sem o livro, talvez não pudesse ver em si mesmo."

Aliás, no quesito 'frases de efeito' Proust é um mestre. Seja lá qual for o assunto, é possível achar uma reflexão dele sobre o mesmo
.
E, no “Em busca...” há, é claro, a estória em si. Esta me aturdiu, nos lances das súbitas revelações. Mas, simultaneamente, me gratificou, na constatação de que o escritor se desnudou sem reservas. E não podia ser diferente, pois para ele, a obra só se justifica se for extraída do âmago, (ou como ele diz, da parte obscura) do escritor.
“Aquilo que já foi dito não nos pertence”.
Há quem acredite que o Em busca... não seja um livro autobiográfico e, consequentemente, o Marcel da estória não seria o próprio autor. Não compartilho esta opinião. Para mim é o mais autobiográfico dos livros, embora admita que alguns dos personagens possam representar 'colagens' de pessoas que o escritor conheceu.
É sabido que o barão de Chalus, por exemplo, foi inspirado no conde/escritor Robert de Motesquiou.
Diz-se, também, que Charles Swann, foi o homem de sociedade (judeu rico e culto) Charles Haas.
A outra questão que suscita incerteza é a que diz respeito à opção sexual de Proust. Para mim não há dúvida de que ele era homossexual. A inferência imediata disso é que os seus amores, descritos no livro, não eram mulheres. Albertine pode muito bem ter sido um "Alberto". E as amigas de Albertine todas seriam também homens. Não é difícil deduzir isto, a partir das características que o escritor atribui a cada uma delas.
O Em busca... porém, transcende, em muito a questão da homossexualidade (ainda que este seja o tema, digamos, subjacente, da obra).
Sobre a fonte de inspiração para que se escreva uma obra-prima, Proust disse:
“... para escrever esse livro essencial, o único verdadeiro, um grande escritor não precisa, no sentido corrente da palavra, inventá-lo, pois já existe em cada um de nós, e sim traduzi-lo. O dever e a tarefa do escritor são as do tradutor.”
Eis, Marcel Proust!