sábado, 18 de julho de 2009

Rabiscos em cadernos de notas explicam o sofrimento?


Bem, a consciência de que o blog está abandonado me tem perturbado. Comentei isso com alguém daqui, e a pessoa retrucou: “Ué, mas é qual a razão disso? Você tem um montão de cadernos com coisas escritas; pega qualquer um deles e publica o que estiver escrito, uai!
Eu disse pra mim mesma: “Taí, em vez de escrever texto novo, transcreverei os já escritos!”. E para começar do princípio, saquei duma sacola (que, com o seu conteúdo, quase fora jogada no lixo), um dos meus antigos cadernos de anotações, que lá se encontrava.
E o que leio nele? Notas avulsas; impressões sobre trechos de leituras; aforismos; premissas filosóficas e religiosas, e o escambáu. Diante disso, o meu primeiro pensamento foi: Ah, é impossível transformar uma barafunda dessas em algo compreensível! O que se pode fazer com isso, por exemplo?
"Isso" eram os seguintes comentários sobre o “De Profundis”, de Oscar Wilde, que eu lia então: Como todos, Wilde se vergou à pressão do sofrimento. E também se transformou a partir dele. A relação cintilante e ruidosa com Bosie (Lord Alfred Douglas, outrora seu amante e causa da sua prisão), se converteu em amarga desilusão.

E complementei: já aqui, na introdução da carta (De Profundis é uma carta dirigida a Bosie, escrita quando Wilde se achava preso; mas é também o relato das ponderações do escritor a respeito de sua própria vida e do revés que lhe sobreveio), Wilde chama a “amizade” que o uniu a Bosie de “desgraçada” e “lamentabilíssima”.

E consciente de que Bosie necessitava – muito mais do que ele mesmo – de uma boa dose de tribulação e desapontamento, para examinar o próprio interior e conhecer as inclinações do próprio coração, Wilde diz: “Deves ler esta carta até o final, ainda que cada palavra tenha de ser para ti como o cautério ou o bisturi do cirurgião que queima ou sangra as carnes delicadas”.

Desenhei uma seta direcionada ao texto acima, depois da frase de Antoine de Saint-Exupéry: “Abençoado ferimento que te faz parir de ti próprio”.
E mais adiante, anotei: “Wilde compreendeu bem o papel do sofrimento nas vidas humanas, pois acabou por escrever: “Onde há sofrimento há terreno sagrado”.

Muitas páginas à frente, encontrei breve resumo da vida de Sir Walter Raleigh, um homem que viveu entre os séculos dezesseis e dezessete, e atingiu os píncaros da glória como explorador enviado a desbravar e se apossar do ‘Novo Mundo’, pela monarquia inglesa. Anos depois, porém, Sir Raleigh se viu aprisionado e condenado à morte pela mesma monarquia, após uma tremenda virada da sorte. Durante o seu encarceramento, enquanto aguardava a execução, Sir Raleigh, que fora um homem muito rico, escreveu as seguintes palavras à esposa, Bess Throckmorton: “Entretanto, se puderes viver livre de necessidades, não ambiciones mais, pois o resto é apenas vaidade”.

E, em outro caderno, já com data bem mais recente, encontrei a frase da atriz Charlotte Rampling que, segundo consta, se acha no livro de entrevistas, “Entre Aspas” , de Fernando Eichenberg:
“Durante toda a vida há catalisadores. Há momentos chaves que fazem com que você mergulhe completamente em abismos ou em que você vai poder se reconhecer diferentemente por meio de imensos sofrimentos. E, quando atravessamos esses sofrimentos as alegrias são muito maiores, muito mais inteiras e também muito mais válidas. Penso que o percurso de uma vida é feita disso; desses momentos”.

Perceberam o padrão? Notaram que todos os textos tratam do sofrimento humano? E não são os únicos. Há informações sobre o pós-desastre sofrido pelo ator Christopher Reeve, extraídas de entrevista dada pelo mesmo a uma revista. E também trechos da vida do produtor de filmes Robert Evans, mostrados no filme ‘O Show não pode parar’; e excertos da autobiografia de Ali Mac Graw, ex- esposa de Evans (bem como de Steve McQueen), em que ela se refere, também, aos reveses que sofreu, após os anos esplendorosos de fama e poder em Hollywood, etc.

Encimando todos os trechos, grafei a palavra ‘tribulação’. A razão da compilação deles é a minha eterna busca de compreensão dos altos e baixos da vida. Seria tudo casual, como pensam alguns? Viver é sofrer, como achava Schopenhauer?
Certamente que não!Os próprios citados acima experimentaram, como todos sabemos, e muitíssimo mais do que os mortais comuns, as delícias e glórias da vida.

Deixando, porém, as grandes indagações sobre o sofrimento para a reflexão dos filósofos e místicos, e meditando objetivamente sobre aqueles que nos acometem, constatamos que são principalmente de dois tipos: os que os outros nos infligem injustamente, que quase sempre decorrem de mal entendidos e falhas humanas, podendo ser terríveis mas, que em nossas vidinhas vulgares são muito menos freqüentes.
E os criados por nós mesmos, devido à nossa ignorância e imaturidade (esses são os mais comuns).
De qualquer modo, os que pararam para refletir no próprio sofrimento concluíram - como o salmista* -, que a função dele é mudar os homens para melhor. Deve ter sido essa a razão de Dostoiévski ter afirmado: “O meu único temor é o de não ser digno do meu próprio sofrimento”.

*Palavras do salmista: “Foi-me bom ter sido afligido, pois antes de ser afligido eu me extraviava”. (Salmo 119 versos 67 e 71).