sábado, 18 de abril de 2009

Machado de Assis e a falácia sobre a incerteza do adultério de Capitu, em Dom Casmurro


Desde um remoto semestre do curso ginasial (uia! que terá sido isso? dirá a nova geração), quando me foi exigida a leitura do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, tornei-me Machadólatra. De vez em quando, volto a ler Machado de Assis objetivando, como todos os fãs, relembrar as estórias e deliciar-me com o estilo do autor, marcado pela concisão, elegância, frases carregadas de ironias, aforismos, e aquele jeito de se dirigir ao leitor, como se estivesse conversando com ele. Mas nunca, jamais, havia me ocorrido que, em Dom Casmurro, o adultério da personagem Capitu não tivesse acontecido. Tampouco cheguei à conclusão de que a “coisa” toda não passasse de fantasias, delírios criados pela mente de um marido doentiamente ciumento.
Eis que, há cerca de oito/dez anos, começo a atentar para o fato de que não se fala do tal adultério, senão em termos hipotéticos. Muitas pessoas defendem abertamente que o acontecimento só existiu na cabeça do marido; e ainda, que Capitu foi apenas uma vítima das alucinações ciumentas de Bentinho. Desde então, cansei de ler frases tais como: “Só conhecemos a versão dos fatos contada por Bentinho”; “Bentinho era fraco, mimado e neurótico”; “O ‘cara’ era atordoado; ele via o que queria ver”.
Tempos depois, descobri que essa tese originou-se de um trabalho – publicado nos anos 50 -, da professora norte-americana Helen Caldwell. A Sra. Caldwell, que além de professora, é também crítica literária, com tendência brasilianista, teria feito um estudo minucioso da obra machadiana, do qual resultou o livro de sua autoria, O Otelo brasileiro de Machado de Assis: Um estudo de Dom Casmurro. Depois dessa obra, surgiram inúmeras trabalhos acadêmicos que põem em cheque a questão do adultério cometido por Capitu.
Ora, sem entrar nos méritos desse livro, o qual ainda não li - e considerando mesmo a idéia muito interessante - vejo-me obrigada a discordar desse parecer. Não, não posso ver a estória de Dom Casmurro como o arrazoado de um promotor de justiça (profissão, aliás, do ‘narrador’ Bentinho, o marido traído) que busca a condenação da esposa, por uma falta que ela não cometeu. Também não acredito que fosse intenção do autor criar uma obra ambígua, cheia de sutilezas, cuja essência só pudesse ser apreendida por leitores capazes de discernir as astúcias do acusador.
Tão grande sempre foi a minha convicção da culpa de Capitu, que eu não quis ler o livro da Sra. Caldwell, antes de reler o Dom Casmurro (na verdade, ainda não li o estudo feito pela professora). Pois bem, acabei de reler a estória de Machado e a minha conclusão é que a Sra. Caldwell foi muito eficiente na disseminação da dúvida sobre a falta da personagem; e que, por isso mesmo, ela própria é que seria uma advogada de defesa imbatível; a melhor que Capitu poderia contratar! Não que eu considere o Dom Casmurro um livro “facinho”, ou os personagens simples e transparentes: Bentinho Santiago, o narrador, é um sujeito complexo; e Capitu o é ainda mais!
Assumindo-se, de cara, como um tipo exageradamente ciumento e um tanto hesitante em suas decisões, Bentinho conta a estória, expondo as suas premissas e, simultaneamente, como que argumentando contra elas. Desse modo, no momento em que apresenta como prova do adultério de Capitu, a semelhança física existente entre o filho dessa (que deveria ser também dele) e seu falecido amigo Escobar, ele diz que também havia uma semelhança física inexplicável, entre Capitu e a finada esposa de seu vizinho Gurgel, fato para o qual o próprio Gurgel lhe chamara a atenção (quando mostrara o retrato da mulher). E esta é apenas uma, entre várias situações no romance, em que fica patente certa vacilação de Bentinho.
E há também, é verdade, a menção ao personagem de Shakespeare, Otelo - que por ciúmes infundados mata a esposa Desdêmona -, cuja estória é vista por Bentinho, no teatro, no auge da crise que ele enfrenta com Capitu.
A despeito de tudo isso, no entanto, mantenho a minha opinião sobre a traição de Capitu. É preciso lembrar que as fraquezas de Bentinho: os ciúmes, as desconfianças, a aparente submissão dele à mãe, não são sinônimos de pusilanimidade e muito menos de loucura! Na verdade, se a humanidade fosse dada a registrar as ações que comete, e os pensamentos que lhe perpassa a mente, todos seríamos tomados por insanos, por um extraterrestre que nos lesse.
Mas, de modo geral, as nossas sandices momentâneas e os nossos pensamentos disparatados não nos levam a tomar decisões que afetam tão profundamente a nós mesmos, e aos nossos entes queridos. E além do mais, Capitu é mostrada, desde a infância, como uma pessoa capaz de autocontrole impressionante. E também como dotada de extraordinária capacidade de dissimulação (e condução das situações para aquilo que ela deseja). E quando nos é apresentado o jovem Escobar (o colega de seminário de Bentinho, que depois se torna o seu melhor amigo) constatamos - não sem surpresa -, que ele é igualzinho a Capitu. Ambos são calculistas; objetivos; cheios de autodomínio e etc. Capitu é mostrada, em várias situações, assumindo atitude "superior e serena", perante acontecimentos que perturbavam sobremaneira Bentinho. De Escobar é dito que teve um “affair” com “não sei que atriz, um negócio de teatro”; o que mostra a propensão dele para “pular a cerca”. E, como se fosse pouco, há no romance, pelo menos dez situações que indicam que o adultério se consumou. São elas:
01) A questão das dez libras esterlinas, que teriam resultado da conversão das economias de Capitu. A respeito disso, dá-se o seguinte diálogo entre marido e mulher:
Bentinho: Quem foi o corretor?
Capitu: O teu amigo Escobar.
Bentinho: Como é que ele não me disse nada?
Capitu: Foi hoje mesmo.
Bentinho: Ele esteve cá?
Capitu: Pouco antes de você chegar, eu não disse nada, para que você não desconfiasse.
No dia seguinte, quando se avista com Escobar, e depois de ele ter dado a Bentinho as “explicações” sobre o segredo que ele e Capitu mantiveram (sobre o dinheiro mencionado), Bentinho acaba por dizer: “Capitu é um anjo”, e a esta afirmação Escobar simplesmente “concordou com a cabeça, mas sem entusiasmo”.
Por que ele agiria assim?
02) A questão da demora para que Capitu engravidasse (que embora não capital, é relevante). A filhinha de Escobar com a esposa já estava bem grandinha, “faladeira e curiosa”, quando finalmente Capitu engravidou (lembrar que os dois casais se casaram na mesma época).
03) Ezequiel o filho de Capitu, acabou por tornar-se filho único.
04) Houve uma estréia de ópera, no teatro, à qual Capitu não quis ir, alegando uma “dor de cabeça e de estômago”, mas a qual quis, “por força”, que Bentinho fosse . Este vai, mas sentindo-se sozinho demais, pois não pudera sequer convidar Escobar para acompanhá-lo, volta para casa ao fim do primeiro ato. E quem ele encontra “à porta do corredor”? Sim, ele mesmo: Escobar. Este se justifica dizendo que estava chegando e objetivava falar a Bentinho sobre uns embargos...
E o que ele diz “de novo” sobre os tais embargos? Nada que valesse a visita! E depois que Escobar se retira e Bentinho comenta o caso com Capitu (e ele o faz, não porque tivesse então qualquer suspeita das relações íntimas de Capitu com Escobar, mas pelo simples receio de que talvez não tivesse sido adequadamente receptivo/cortês com o amigo), o que acontece? Capitu simplesmente “desfaz todas as dúvidas de Bentinho, com a fina arte que possuía”.
05) Capitu se agasta à simples repetição da inocente expressão “Filho do Homem”, que José Dias usa para referir-se ao seu filho (expressão esta, que o agregado tirara da leitura do livro de Ezequiel – nome do menino - feita na véspera). Capitu interpela José Dias por isso, e este diz: “São os modos de dizer da Bíblia” e Capitu responde com aspereza: “Pois eu não gosto deles!”
06) No velório de Escobar há a “confissão” involuntária de Capitu que, por instantes e furtivamente, “olha o cadáver tão fixamente, tão apaixonadamente fixa ...”
07) E o que dizer da assombrosa semelhança física do menino, com o amigo morto? Pois: “Não só os olhos mas as restantes feições, a cara o corpo, a pessoa inteira, iam se apurando com o tempo...”
08) E da sugestão de Capitu, para que colocassem o menino num internato “pois, sempre que Ezequiel vinha para nós, não fazia mais que separar-nos?”
09) Todas essas circunstâncias fizeram brotar tais dificuldades entre as três pessoas da família, que a pobre criança passou a ser profundamente rejeitada pelo “pai”, mesmo esse tendo consciência de que “o demo do pequeno cada vez mais ‘morria’ por mim”.
10) Bentinho decide se matar e chega a diluir o veneno comprado para esse fim, no café que vai tomar (e, se é impedido de fazer isso pelo menino, que irrompe na sala no momento sinistro, chega a pensar que talvez o remédio fosse dar o veneno à propria criança, insensatez que por pouco não realiza).
Como essas, e ainda mais decisivas que essas, se encontram, no livro, pelo menos mais dez razões contra Capitu. Mas, apesar de todos os infaustos acontecimentos havidos entre ela e Bentinho. Apesar mesmo, de o marido tê-la “jogado” com o filho na Europa, onde não os visitava nunca; não tendo feito isso sequer no enterro dela, Capitu, até o fim, “louvou muito o marido distante, chamando-o ‘o homem mais puro do mundo’ e o mais digno de ser querido”.
Que cada leitor tire as suas conclusões. A minha já foi tirada desde a primeira leitura.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Série - Imagens de Brasília/Fotos 1 e 2

Ponte JK, Lago Sul, Brasília, Distrito Federal


A imagem acima é de um poente brasiliense, visto da ponte JK, de um carro em movimento.
Se não estivéssemos numa estação chuvosa, como a atual, provavelmente veríamos um poente
multicor.